Texto associado. Calma, isso é só um filme...
O menino estava morrendo de medo, tapando a cara para não ver a cena de terror na TV e o pai acudiu dizendo “Calma, isso é só um filme”. O que equivale a um “é tudo de mentirinha, seu bobo”. Bem que o filho poderia responder: “Mas o meu medo é de verdade!” - e estaria com isso reconhecendo o efeito vivo e material que as simulações, as representações e as simbolizações da arte e dos jogos têm sobre todas as criaturas.
A convicção de que toda representação artística, por ser uma representação, é contrária a qualquer verdade, mostra-se muito bem, quando queremos escapar do poder real dos “fingimentos” da arte e apelamos para a “realidade do mundo” - como se esta só existisse numa autonomia plena, em si mesma, sem permitir se expressar de modo criativo. Quem se inicia, por exemplo, no universo mágico do escritor Guimarães Rosa, mergulhando no grande sertão cósmico-mineiro a que ele deu nova vida, em nova e surpreendente linguagem, e tem que suspender a leitura para ir ao mercado poderá pensar, na rua, invertendo a equação: “Mas isso é só o mundo...”
Ao ouvirmos aquela sonata ou aquela canção especial, não deveríamos chorar, pois aquilo “é só música”. A ingênua alegação de que a arte é “só” arte, de que um símbolo é “apenas” um símbolo, pretende trabalhar contra nossa humanidade profunda, contra essa condição em que a disposição emocional se alia à nossa energia afetiva e inteligente, por vezes levando-nos num salto para a plataforma do sublime , esse estágio tão alto de beleza que parece não haver mais nada acima dele. Quando nos comovemos de verdade com qualquer manifestação artística, fica impossível acusar o artista de mentiroso: a linguagem que ele concebeu e que nos encantou passou a fazer parte da nossa verdade.
(Paulo Carini do Amaral, inédito)
No 2o parágrafo, a referência ao escritor Guimarães Rosa justifica-se porque o autor deseja mostrar que
a) o efeito provocado pela arte é significativo mas efêmero, já que se apaga em contato com o mundo real.
b) o universo criado por esse autor mineiro é o da ficção científica tão bem idealizada que passamos a temer o sobrenatural.
c) mesmo a linguagem mais tradicional, explorada por esse autor, é capaz de nos convencer da realidade que a arte representa.
d) a realidade nua e crua do sertão, expressa nas obras desse autor, não contrasta com a realidade do nosso cotidiano urbano.
e) a força da ficção é tão profunda que por vezes nos faz estranhar a realidade mesma do mundo em que vivemos.