Texto associado. As pernas
Ora, enquanto eu pensava, iam-me as pernas levando, ruas abaixo, de modo que, insensivelmente me achei à porta do Hotel Pharoux. De costume jantava aí; mas, não tendo deliberadamente andando, nenhum merecimento da ação me cabe, e sim às pernas, que a fizeram. Abençoadas pernas! E há quem vos trate com desdém e indiferença. Eu mesmo, até então, tinha-vos em má conta, zangava-me quando vos fatigáveis, quando não podíes ir além de certo ponto, e me deixava com o desejo a avoaçar, à semelhança de galinhas atadas pelos pés.
Aquele caso, porém, foi um raio de luz. Sim, pernas amigas, vós deixastes à minha cabeça o trabalho de pensar em Virgília, e dissestes uma à outra: __ Ele precisa comer, são horas de jantar, vamos levá-lo ao Pharoux; dividamos a consciência dele, uma parte fique lá com a dama, tomemos a outra, para que ele vá direto, não abalroe as gentes e as carroças, tire o chapéu aos conhecidos, e finalmente chegue são e salvo ao hotel. E cumpristes à risca o vosso propósito, amáveis pernas, o que me obriga a imortalizar-vos nesta página.
(Machado de Assis – Memórias póstumas de Brás Cubas)
Ao fazer uma interlocução com as pernas, o narrador usou a seguinte figura de linguagem:
a) metonímia
b) ironia
c) eufemismo
d) personificação