José de Arimatéia subiu a escada de pedra do
alpendrão, e deu com Seu Tonho Inácio na cadeira de
balanço, distraído em trançar o lacinho de seis pernas
com palha de milho desfiada. A gente encontrava aquelas
5 trançazinhas por toda parte (...) - naqueles lugares onde
o velho gostava de ficar, horas e horas, namorando a
criação e fiscalizando a camaradagem no serviço. Com a
chegada do dentista, Tonho Inácio voltou a si da avoação
em que andava:
10 - Hã, é o senhor? Pois se assente ... Hum ... espera
que a Dosolina quer lhe falar também. Vamos até lá
dentro...
E entrou pelo corredor dosobrado, acompanhado do
rapaz.
15 Na sala - quase que sempre fechada, naturalmente
por causa disso aquele sossego e o cheiro murcho de
coisa velha - a mobília de palhinha, o sofá muito grande,
a cadeirona de balanço igual à outra do alpendre. Retratos
nas paredes: os homens, de testa curta e barbados, as
20 mulheres de coque enrolado e alto (...), a gola do vestido
justa e abotoada no pescoço à feição de colarinho. Povo
dos Inácios, dos Gusmões: famílias de Seu Tonho e Dona
Dosolina. Morriam, mas os retratos ficavam para os filhos
os mostrarem às visitas - contar como aqueles antigos
25 eram, as manias que cada qual devia ter, as proezas
deles nos tempos das primeiras derrubadasno sertão da
Mata dos Mineiros.
De seus pais, José de Arimatéia nem saber o nome
sabia.
30 Lembrava-se mas era só do Seu Joaquinzão Carapina,
comprido e muito magro, sempre de ferramenta na mão
- derrubando árvore, lavrando e serrando, aparelhando
madeira. (...) E ele, José de Arimatéia, menininho de
tudo ainda, mas já agarrado no serviço, a catar lascas e
35 serragem para cozinhar a panela de feijão e coar a água
rala do café de rapadura, adjutorando no que podia.
PALMÉRIO, Mário. Chapadão do Bugre. Rio de Janeiro: Editora Livraria
José Olímpio, 1966. (Adaptado)