Nada ilustra melhor a aviação comercial do que a
máxima de que a solução parcial de um problema acaba criando
novos problemas. Essa condenação começou a se manifestar de
maneira trágica com o primeiro jato comercial da história, o
Comet, fabricado em 1949 pela Havilland. Ele veio resolver os
problemas de conforto, privacidade e segurança dos seus
antecessores a hélice, mas foi precocemente aposentado depois
de um acidente ? para ser mais preciso, depois de cinco
acidentes. Os modelos Comet se desintegravam em pleno ar, à luz
do dia, em perfeitas condições meteorológicas. Depois da mais
extensa e cara investigação científica da história dos desastres
aéreos, as autoridades inglesas concluíram que, para satisfazer
o gosto dos viajantes, os projetistas desenharam janelas
panorâmicas no Comet. Isso tornava as viagens mais agradáveis.
Mas, como o vidro e o metal reagem de forma diferente às
pressões aerodinâmicas, a estrutura do Comet acabava cedendo,
e o avião se desintegrava.
O mais intrigante é que as modernas tecnologias digitais
embarcadas, em vez de mitigar os desafios colocados aos
projetistas, tornaram-nos ainda mais flagrantes. Uma dessas
esteve no centro de algumas tragédias: o dispositivo digital
projetado para impedir que os freios aerodinâmicos do avião, em
especial aqueles que invertem o fluxo de ar das turbinas, os
reversos, fossem acionados em pleno voo. Melhor: eles seriam
acionados automaticamente quando do pouso. Os engenheiros
basearam seu dispositivo no que parecia ser algo infalível. Um
leitor digital de altitude trancava os reversos mesmo que o piloto
os acionasse manualmente. A inovação destinada a resolver um
problema acabaria criando vários. Em 1991, um Boeing 767 da
Lauda Air caiu na Tailândia depois que, sem explicação aparente,
os reversos se abriram em pleno voo. A investigação mostrou que
o avião perdeu altitude em uma turbulência e o computador
interpretou o fenômeno como um pouso, acionando os freios.
Como resolver isso sem perder a automação? Os engenheiros
modificaram o dispositivo de acionamento dos reversos, de modo
que os sensores informariam ao computador para abri-los apenas
depois que os dois conjuntos de pneus do trem de pouso tocassem
o solo. A modificação foi considerada perfeita e adotada
universalmente pelos fabricantes. Mas... e há sempre um mas...
dois anos depois um Airbus A320 da Lufthansa não conseguiu
acionar os reversos ao pousar na pista gelada do Aeroporto de
Varsóvia, matando dois dos setenta passageiros. A causa? Ventos
laterais fortes fizeram com que o trem de pouso da esquerda
tocasse o solo nove segundos depois do da direita. O computador,
fiel a sua programação, não acionou os reversos e impediu os
pilotos de ativá-los até que todos os pneus tivessem tocado o
solo. Mais uma modificação foi feita, então, no desenho do
dispositivo. Agora ele apenas informa o piloto, que decide
quando acionar os freios.
Na cauda do Comet. In: Veja, ano 42, n.º 23,
10/6/2009 (com adaptações).
Acerca das ideias expressas no texto acima, julgue os seguintes
itens.