Texto associado. O FUTURO NO PASSADO
1 Poucas previsões para o futuro feitas no passado se realizaram. O mundo se mudava do campo para as cidades, e era natural que o futuro idealizado então fosse o da cidade perfeita. Mas o helicóptero não substituiu o automóvel particular e só recentemente começou-se a experimentar carros que andam sobre faixas magnéticas nas ruas, liberando seus ocupantes para a leitura, o sono ou o amor no banco de trás. As cidades não se transformaram em laboratórios de convívio civilizado, como previam, e sim na maior prova da impossibilidade da coexistência de desiguais.
2 A ciência trouxe avanços espetaculares nas lides de guerra, como os bombardeios com precisão cirúrgica que não poupam civis, mas não trouxe a democratização da prosperidade antevista. Mágicas novas como o cinema prometiam ultrapassar os limites da imaginação. Ultrapassaram, mas para o território da banalidade espetaculosa. A TV foi prevista, e a energia nuclear intuída, mas a revolução da informática não foi nem sonhada. As revoluções na medicina foram notáveis, certo, mas a prevenção do câncer ainda não foi descoberta. Pensando bem, nem a do resfriado. A comida em pílulas não veio - se bem que a nouvelle cuisine chegou perto. Até a colonização do espaço, como previam os roteiristas do “Flash Gordon”, está atrasada. Mal chegamos a Marte, só para descobrir que é um imenso terreno baldio. E os profetas da felicidade universal não contavam com uma coisa: o lixo produzido pela sua visão. Nenhuma previsão incluía a poluição e o aquecimento global.
3 Mas assim como os videntes otimistas falharam, talvez o pessimismo de hoje divirta nossos bisnetos. Eles certamente falarão da Aids, por exemplo, como nós hoje falamos da gripe espanhola. A ciência e a técnica ainda nos surpreenderão. Estamos na pré-história da energia magnética e por fusão nuclear fria.
4 É verdade que cada salto da ciência corresponderá a um passo atrás, rumo ao irracional. Quanto mais perto a ciência chegar das últimas revelações do Universo, mais as pessoas procurarão respostas no misticismo e refúgio no tribal. E quanto mais a ciência avança por caminhos nunca antes sonhados, mais leigo fica o leigo. A volta ao irracional é a birra do leigo.
(VERÍSSIMO. L. F. O Globo. 24/07/2016, p. 15.)
Nos três primeiros parágrafos do texto, e enunciador, confrontando as previsões feitas no passado sobre o avanço da ciência com as que efetivamente se realizaram, desenvolve seu pensamento em estruturas de oposição semântica.
No 4º parágrafo, como conclusão do texto, o enunciador adota outra forma de estruturação, defendendo a seguinte tese sobre o avanço da ciência:
a) a ciência, por mais que avance, estará sujeita à atitude irracional dos leigos que, em sua ignorância, misticismo e refúgio no tribal, persistem na irracionalidade.
b) a ciência sofrerá permanentemente o retrocesso da irracionalidade por parte de ignorantes que, em razão de questões políticas fundamentalistas, são radicalmente contrários aos avanços da ciência.
c) devido à teimosia de todo ser humano, não há solução para o avanço da ciência, mesmo que esta chegue às últimas revelações do Universo, pois voltar à irracionalidade é uma tarefa implícita do ignorante.
d) entre a ciência e a ignorância há uma rivalidade intransponível, pois fundada no fanatismo mais torpe, a ignorância sempre resistirá à irracionalidade.
e) não há ciência que dê conta da irracionalidade do leigo, pois este, preso a estereótipos de misticismo e de refúgio no tribal, estará sempre em atitude proporcional aos avanços da ciência.