Saudade de Waterloo
É famosa ou não tão famosa, pois não me lembro do
autor a história da mulher que se queixava de um dia particu-
larmente agitado nas redondezas da sua casa e do que o movi-
mento constante de cavaleiros e carroças fizera à sua roupa es-
tendida para secar, sem saber que estava falando da batalha de
Waterloo*, que mudaria a história da Europa. Contam que fa-
mílias inteiras da sociedade de Washington pegaram suas ces-
tas para piquenique e foram, de carruagem, assistir à primeira
batalha da Guerra Civil americana, em Richmond, e não tiveram
baixas. A Primeira Grande Guerra, ou a primeira guerra moder-
na, mutilou uma geração inteira, mas uma geração de homens
em uniforme de combate. Mulheres e crianças foram poupadas.
Só 5 por cento das mortes na Primeira Guerra foram de civis.
Na Segunda Guerra Mundial, a proporção foi de 65 por cento.
Os estragos colaterais da Segunda Guerra se deveram
ao crescimentosimultâneo de duas técnicas mortais, a do bom-
bardeio aéreo e a da guerra psicológica. Bombardear popula-
ções civis foi adotado como uma legítima tática militar, para
atingir o moral do inimigo. Os alemães é que começaram, com
seus ataques aéreos sobre Londres, que tinha importância
simbólica como coração da Inglaterra, mas nenhuma importân-
cia estratégica. Mas ingleses e americanos também se dedi-
caram com entusiasmo ao bombardeio indiscriminado, como o
que provocou a tempestade de fogo que arrasou a cidade de
Dresden**, por nenhuma razão defensável salvo a do terror. E
os estragos colaterais chegaram à sua apoteose tétrica, claro,
em Hiroshima e Nagasaki***.
* Batalha de Waterloo = Histórica batalha em 1815, entre as forças
britânicas e as de Napoleão Bonaparte, da qual os franceses saíram
derrotados.
** Dresden = Cidade da Alemanha, capital do estado da Saxônia.
*** Hiroshima e Nagasaki = Cidades japonesas dizimadas porbombas
atômicas em1945.
(Luis Fernando Veríssimo. O mundo é bárbaro. Rio de Ja-
neiro: Objetiva, 2008, p. 123-124)