TEXTO II
VACINAS, PARA QUE AS QUERO?
O mecanismo que torna esses imunológicos mais duradouros ou não ainda segue sem resposta. Mas ninguém deveria duvidar de seu poderoso efeito protetor.
01 Em um momento em que os menos avisados suspeitam das vacinas, as autoridades em saúde pública
02 e imunologia apresentam dados mostrando que, na realidade, as vacinas precisam, sim, ser inoculadas com
03 mais frequência. Esse é o teor do artigo ‘Quanto tempo duram as vacinas?’, assinado pelo escritor e roteirista
04 norte-americano Jon Cohen e publicado na prestigiosa revista Science, em abril de 2019. Nele, Cohen indaga,
05 entre outros assuntos, por que o efeito protetor das vacinas contra a gripe dura tão pouco (em média, depois de
06 90 dias, a proteção começa a cair) e em outras, como as da varíola e da febre amarela, a ação é bem mais
07 prolongada.
08 Alguns especialistas argumentam que certos vírus sofrem altas taxas de mutação e geram novos clones,
09 que, por serem ligeiramente diferentes dos originais, não seriam reconhecidos pelas células do sistema imune.
10 Mas, a coisa não é tão simples assim.
11 Ao estudar a caxumba (que ainda afeta os humanos), por exemplo, os epidemiologistas descobriram
12 que a recorrência da doença acontece com mais frequência em uma determinada faixa etária (entre 18 e 29 anos
13 de idade). Se a reinfecção dependesse apenas de mutações, todas as idades deveriam ser igualmente afetadas.
14 Assim, o enigma perdura.
15 No entanto, o consenso entre os imunologistas especializados em vacinas é que, de fato, precisamos
16 de mais exposição aos agentes infecciosos ou às próprias vacinas. Em outras palavras, no caso da gripe,
17 teríamos que tomar doses seguidas da vacina a fim de aumentar seu efeito protetor. Em razão desses achados,
18 os pesquisadores chegaram até a criticar a decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de recomendar
19 que a vacina contra a febre amarela devesse ser inoculada apenas uma vez, isto é, seria uma vacina vitalícia.
20 A necessidade da exposição constante aos agentes infecciosos vai de encontro à hipótese do biólogo
21 norte-americano Jared Diamond que, em seu livro Armas, germes e aço, defende a ideia de que, ao longo da
22 história, o sucesso dos conquistadores se deveu, em parte, ao fato de eles serem originalmente cosmopolitas e,
23 dessa maneira, terem adquirido resistência imunológica aos agentes infecciosos da época. Mesmo resistentes,
24 seriam portadores desses agentes, o que manteria a memória imunológica. Já os conquistados, grupo formado
25 por populações menores, sucumbiriam ao confronto por não serem capazes de se defender tanto dos invasores
26 humanos quanto daqueles microscópicos.
27 Outro aspecto interessante desse tema é fruto da biotecnologia recente. A vacina contra o papiloma
28 vírus humano (HPV), que, aparentemente, deu certo, é constituída de um agente imunogênico que não é o vírus
29 propriamente dito, mas, sim, o que os pesquisadores chamam de partículas semelhantes aos vírus (virus like
30 particles, VLPs).
31 Os VLPs podem ser considerados vírus artificiais, ou seja, contêm a capa de proteína dos vírus, mas
32 não o material genético, que, em geral, é formado por ácidos nucleicos (DNA ou RNA). Desse modo, os VLPs
33 não são infecciosos. Alguns deles ocorrem naturalmente, mas também podem ser sintetizados no laboratório, e
34 é aí que repousa a grande esperança tanto contra os vírus quanto contra alguns tipos de câncer cuja ocorrência
35 foi correlacionada a infecções virais prévias, como o caso do câncer de útero.
36 Embora o avanço nessa área seja promissor, o mecanismo que torna uma vacina mais duradoura ou
37 não ainda segue sem resposta. Como afirma Cohen em seu artigo, “essa é uma pergunta de um milhão de
38 dólares!” (aproximadamente, o valor do prêmio Nobel).
39 A despeito disso, ninguém deveria duvidar do poder das vacinas. Muito pelo contrário. A tendência atual
40 no tratamento de doenças crônicas, como o câncer e a artrite reumatoide, é a imunoterapia. Um dia, quem sabe,
41 teremos vacinas contra todos esses males.
http://cienciahoje.org.br/artigo/vacinas-para-que-as-quero/ Acesso: 15/06/2019.