Texto
Leia atentamente o texto e responda a questão.
Em código
(01) Fui chamado ao telefone. Era o chefe de escritório de meu irmão:
(02) - Recebi de Belo Horizonte um recado dele para o senhor. É uma mensagem meio esquisita, com vários
(03) itens, convém tomar nota: o senhor tem um lápis aí?
(04) - Tenho. Pode começar.
(05) - Então lá vai. Primeiro: minha mãe precisa de uma nora.
(06) - Precisa de quê?
(07) - De uma nora.
(08) - Que história é essa?
(09) - Eu estou dizendo ao senhor que é um recado meio esquisito. Posso continuar?
(10) - Continue.
(11) - Segundo: pobre vive de teimoso. Terceiro: não chora, morena, que eu volto.
(12) - Isso é alguma brincadeira.
(13) - Não é não, estou repetindo o que ele escreveu. Tem mais. Quarto: sou amarelo, mas não opilado. Tomou
(14) nota?
(15) - Mas não opilado - repeti, tomando nota. - Que diabo ele pretende com isso?
(16) - Não sei não, senhor. Mandou transmitir o recado, estou transmitindo.
(17) - Mas você há de concordar comigo que é um recado meio esquisito.
(18) - Foi o que eu preveni ao senhor. E tem mais. Quinto: não sou colgate, mas ando na boca de muita gente.
(19) Sexto: poeira é minha penicilina. Sétimo: carona, só de saia. Oitavo...
(20) - Chega! - protestei, estupefato. - Não vou ficar aqui tomando nota disso, feito idiota.
(21) - Deve ser carta em código ou coisa parecida - e ele vacilou: - Estou dizendo ao senhor que também não
(22) entendi, mas enfim... Posso continuar?
(23) - Continua. Falta muito?
(24) - Não, está acabando: são doze. Oitavo: vou mas volto. Nono: chega à janela, morena. Décimo: quem fala de
(25) mim tem mágoa. Décimo primeiro: não sou pipoca, mas também dou meus pulinhos.
(26) - Não tem dúvida, ficou maluco.
(27) - Maluco não digo, mas como o senhor mesmo disse, a gente até fica com ar meio idiota... Está acabando,
(28) só falta um. Décimo segundo: Deus, eu e o Rocha:
(29) - Que Rocha?
(30) - Não sei: é capaz de ser a assinatura.
(31) - Meu irmão não se chama Rocha, essa é boa!
(32) - É, mas foi ele que mandou, isso foi.
(33) Desliguei, atônito, fui até refrescar o rosto com água, para poder pensar melhor. Só então me lembrei:
(34) haviam-me encomendado uma crônica sobre essas frases que os motoristas costumam pintar, como lema, à
(35) frente dos caminhões. Meu irmão, que é engenheiro e viaja sempre pelo interior fiscalizando obras,
(36) prometera ajudar-me, recolhendo em suas andanças farto e variado material. E ele viajou, o tempo passou,
(37) acabei me esquecendo completamente o trato, na suposição de que o mesmo lhe acontecera.
(38) Agora, o material ali estava, era só fazer a crônica. Deus, eu e o Rocha! Tudo explicado: Rocha era o
(39) motorista. Deus era Deus mesmo, e eu, o caminhão.
Fonte: SABINO, Fernando. A mulher do vizinho. São Paulo: Record, 1962.